Ao longo dos anos, o aborto tem se tornado cada vez mais uma questão social. Na maioria dos casos, é realizado à margem da lei, ainda que seja proibido, muitas mulheres continuam buscando métodos clandestinos para sua concretização, arriscando à vida e à saúde. O tema proposto é de muita complexidade, sendo necessária uma discussão mais aprofundada sobre o tema, muitas questões estão correlacionadas e devem ser levadas em consideração, desde os artigos presentes no código penal do ano de 1940, como também, todo o avanço da medicina e os novos ideais da sociedade. Esse debate tem ganhado força devido a novas decisões judiciais sobre a realização do aborto, e tem estipulado uma nova corrente jurisprudencial em relação ao tema. Vale ressaltar que tais decisões que decidiram a favor do aborto deram-se devido a gestação ser proveniente de violência sexual, ou no caso de anencefalia, condições que são previstas no código penal brasileiro. A legalização do aborto de fato é de grande complexidade, muitas questões estão envolvidas sobre o caso e tem a necessidade de serem verificadas separadamente e não de forma em geral, também deve-se verificar a desigualdade social que fica evidente no momento em que mulheres com poder aquisitivo não correm o mesmo risco de mulheres menos afortunadas, enquanto uma parte das mulheres tem mais possibilidade de realizar o aborto sem grandes riscos, outra porcentagem que opta por clínicas clandestinas acabam falecendo por complicações nesta operação, em ambos os casos, deve-se notar a pratica de um crime previsto no artigo 124 do código penal. A seguinte obra busca apresentar todas as correntes ideológicas acerca da criminalização do aborto, a letra da lei prevista no código vigente e as doutrinas formalizadas pelos operadores do direito ao longo dos anos.
ABORTO: CONCEITO E LEGISLAÇÃO
A palavra aborto tem origem no latim “aboriri” e significa “separar do lugar adequado”. De acordo com Antônio de Paulo, em seu dicionário jurídico, o aborto é “a interrupção da gravidez com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do nascituro”. Transmite a ideia de que é a privação do nascimento, a interrupção voluntária da gestação, resultando na morte do produto a ser concebido. Para Fernando Capez o aborto é conceituado como:
[…] a interrupção da gravidez com a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode acorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno. (2015, p. 141)
Rogério Sanches Cunha analisando o fato de que o aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção, afirmou que ―o termo inicial para a prática do aborto é o começo da gravidez, que, do ponto de vista da biologia, se dá com a fecundação. […] A gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, isto é, com a sua fixação no útero materno. (2016, p. 95)
Seguindo a linha de raciocínio de Rogério Sanches Cunha, Cézar Roberto Bitencourt defendeu que ―aborto é a interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da vida intrauterina. Para Cézar, ―o crime de aborto pressupõe gravidez em curso e é indispensável que o feto esteja vivo. A morte do feto tem que ser resultado direto das manobras abortivas. A partir do início do parto, o crime será homicídio ou infanticídio. (2012, p. 181)
Do ponto de vista da biologia humana, a vida é compreendida como um fenômeno natural decorrente de um processo constante de reações químicas, relacionado a inúmeros processos metabólicos, moleculares e outras características relacionadas. Em relação a medicina, o aborto é visto como a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana de gestação, ou até quando o feto pesar 500 gramas e medir até 16,5cm. De acordo com os princípios religiosos, “o aborto provocado é a morte deliberada e direta, independente da forma como venha a ser realizado, de um ser humano na fase inicial de sua existência, que vai da concepção ao nascimento” (IGREJA CATÓLICA, 1995, n.58). Segundo a Constituição, a vida é um direito fundamental de cada indivíduo e trata-se de uma cláusula pétrea, prevista no artigo 5º e, conforme consta no código civil, o nascituro (feto) também é detentor do direito à vida. A corrente maioritária de pesquisadores têm defendido que o termo correto para definição seria “abortamento”, pois, é o ato de expulsar espontaneamente o feto ou retirá-lo utilizando meios artificiais, enquanto o aborto é o produto do abortamento, ou seja, é o próprio feto. O código penal brasileiro proíbe o aborto provocado na forma do autoaborto ou com consentimento da gestante, os artigos 124 a 125 determinam o tipo criminal:
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: (Vide ADPF 54). Pena – detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro.
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
No artigo 127 do código penal, encontramos a forma qualificada para este tipo criminal, e no artigo 128 estão previstas as excludentes de ilicitude do fato típico:
Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
AS ESPÉCIES DE ABORTO
O aborto pode ser espontâneo, acidental, criminoso, legal ou permitido. O aborto espontâneo ocorre de forma involuntária, ou seja, não é por desejo da gestante, mas sim, decorrente de um acidente ou anormalidade da genitora ou do próprio feto. Por isso, o aborto espontâneo não configura crime e muitas vezes não pode ser evitado. O aborto criminoso é vedado pelo ordenamento jurídico. O aborto legal ou permitido é divido em duas hipóteses, são elas: aborto necessário ou terapêutico, é uma causa excludente de ilicitude prevista no artigo 128, inciso I do Código Penal, segundo a letra da lei, não se pune o aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante; essa hipótese é utilizada nos casos em que a gestante está correndo risco de vida por conta de sua gestação, podendo falecer durante o parto, a genitora opta em realizar o aborto para impedir os riscos iminentes. O aborto eugenésico ou eugênico, é utilizado para interromper uma gravidez em caso de vida extrauterina inviável, esse método é terminantemente proibido no Brasil, é uma espécie de aborto voltada a fetos defeituosos ou de má-qualidade.
Algumas correntes de pesquisadores defendem a existência de uma outra espécie de aborto, seria o aborto social, decorrente de uma gestação em que os pais não possuem condições financeiras para sustentar o filho que está a caminho e optam por realizar o abortamento, no Brasil, esse tipo de aborto é proibido. Segundo Rogério Sanches Cunha (2016, p. 95) as espécies de aborto são classificadas da seguinte forma:
a) Natural: interrupção espontânea da gravidez, normalmente causada por problemas de saúde da gestante (um indiferente penal);
b) Acidental: decorrente de quedas, traumatismos e acidentes em geral (em regra, atípico);
c) Criminoso: previsto nos artigos 124 a 127 do Código Penal;
d) Legal ou permitido: previsto no artigo 128 do Código Penal;
e) Miserável ou econômico-social: praticado por razões de miséria, incapacidade financeira de sustentar a vida futura (não exime o agente de pena, de acordo com a legislação pátria);
f) Eugenésico ou eugênico: praticado em face dos comprovados riscos de que o feto nasça com graves anomalias psíquicas ou físicas (exculpante não acolhida pela nossa lei).
g) Honoris causa: realizado para interromper gravidez extramatrimonium (é crime, de acordo com a nossa legislação);
h) Ovular: praticado até a oitava de gestação;
i) Embrionário: praticado até a décima quinta semana de gestação;
j) Fatal: praticado após a décima quinta semana de gestação.
Dada esta classificação, Rogério Sanches Cunha pontua que o aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção, ele afirma “o termo inicial para a prática do aborto é o começo da gravidez, que, do ponto de vista da biologia, se dá com a fecundação.”
1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O aborto ou abortamento é uma prática muito recorrente desde os primórdios históricos da humanidade. Essa ação somente começou a ser punida em meados de 193 d.C, desde o princípio, o Cristianismo foi um dos principais impulsionadores para que o aborto fosse criminalizado. Essa prática está prevista na legislação brasileira desde o período republicano, porém, quando era praticado pela própria gestante, não havia punição.
De acordo com Luiz Regis Prado, (2010), a idade média foi um período de grande desarmonia entre os teólogos em relação a criminalização do aborto, tendo como principal apoiador, Santo Agostinho e São Basílio. Segundo a filosofia aristotélica, o aborto somente era caracterizado se a interrupção da gestação acontecesse entre o quadragésimo ou octogésimo dia. No entanto, este não fazia distinção de tempo, defendia que o aborto provocado seria sempre criminoso, sendo irrelevante o momento em que fosse praticado. De acordo com a igreja católica, a prática do aborto era totalmente reprovada, por causar a perda da alma do nascituro, certo de que morria antes de ser batizado.
No ano de 1890 o código penal brasileiro passou a diferenciar o aborto com e sem expulsão do feto, sancionando a pena mais grave para os casos em que houvesse a expulsão do feto. No mesmo sentido, se dá prática do aborto ou por meio das modalidades utilizadas para sua realização resultasse na morte da gestante, a pena também era mais severa. Sobre essa discussão, José Henrique Pierangeli afirma:
Atualmente o problema continua candente e apaixonante no seio da sociedade. ‗para tratar do aborto, realizam-se conferências internacionais, discute-se o seu problema em congressos científicos, se polemiza em obras, dividem-se as opiniões nos Parlamentos, motivam-se distintas escolas, acirra-se a lutas nas diversas legislações, indica-se a sua relevância nos púlpitos das igrejas e em tribunas nas ruas, desenvolve-se em extensas obras científicas e em folhetins de propaganda. O problema é que ele atinge, igualmente, o humilde trabalhador carregado de filhos e o capitalista que, às vezes, não tem nenhum, o homem da ciência e o artesão, o advogado e o médico, o sociólogo e o político, constituindo uma questão principal como é a própria existência humana, cujas conexões com ele são inegáveis‘(Guillermo Cabanillas). Essa visualização multifária leva o aborto a um grupo de fatos cuja a incriminação se faz para proteger diferentes bens jurídicos, os quais, nos Códigos, ficam na dependência daqueles que na visão do legislador devem prosperar. Assim, ora ele é classificado como crime contra a vida, ora como crime contra a saúde, me outra vezes como crime contra a família, e também contra a incolumidade e a sanidade da estirpe (2007, p. 62).
Para os dias atuais, o código penal brasileiro prevê o aborto nos artigos 124 a 128, tratando definitivamente a criminalização do aborto e dispondo de sanções penais para quem o pratica. A legislação também regulamenta as causas excludentes da ilicitude, ou seja, os casos em que se pune o fato típico, dentre eles estão as hipóteses em que não há outro meio de salvar a vida da gestante e o estupro. Ademais, ainda que não esteja previsto na legislação, há mais um método permitido, por intermédio de autorização judicial que permite a interrupção da gestação nos casos em que o fato tem anencefalia.
Em dezembro de 2020, países como a Argentina, aprovaram a lei que torna a prática do aborto uma ação legalizada, acessível e gratuita, desde que seja por vontade própria da gestante até a 14ª semana de gestação. Após esse período, o aborto somente é permitido em casos de estupro ou que haja riscos a saúde da gestante. O México, em 2021, decidiu que as mulheres que praticam o aborto não podem ser processados, corroborando com a legalização desta ação em determinados estados mexicanos. Em fevereiro de 2022, a Colombia descriminalizou o aborto, desde que a prática seja realizada até a 24ª semana de gestação. Além desses, 61 outros países ao redor do mundo não criminalizam a prática do aborto, prevalecendo a decisão da mulher em realizar ou não o abortamento. Nas outras regiões, o aborto continua sendo criminalizado, existindo exceções, assim como no Brasil, nos casos de estupro, riscos à saúde da gestante ou malformação fetal, essa prática é permitida.
Destaca-se que dentre os inúmeros segmentos dos ramos do conhecimento que integram a sociedade brasileira, diversos campos da ciência, filosofia e religião, ainda não foi possível concluir ou chegar a um acordo de quando se inicia a vida humana. A igreja católica, por exemplo, mudou sua opinião diversas vezes sobre o tema, Antônio Sólon Rudá afirma:
Na comunidade científica a questão acerca do início da vida humana é bastante controversa, e possui raízes na história da civilização desde os primórdios tempos. Exemplo disto é o da Igreja Católica que ao longo de sua história mudou de posição por mais de uma vez. Num primeiro momento, a Igreja defendia que o início da vida humana vinha desde a concepção, e assim foi até século XVI, quando o Papa Sisto V condenou o aborto à excomunhão. Ainda no mesmo século, o Papa Gregório XIV trouxe para a Igreja a postura anterior, a de que o aborto não era homicídio e, portanto, não deveria haver sanção penal. No entanto, na segunda metade do século XIX, o Papa Pio IX retomou a política anterior e o aborto voltou a ser encarado como pecado (ilícito) possível de excomunhão, e que o nascituro, desde à concepção era detentor de alma. Assim, atualmente, a posição oficial do Vaticano é a de que a vida humana nasce e recebe sua alma no exato momento da concepção (fertilização), quando ocorre a formação do zigoto. (2010, online)
No âmbito jurídico, referente a Constituição Federal de 1988, não há qualquer menção a respeito do momento em que a vida humana é digna de proteção. Porém, o Código Civil prevê os direitos do nascituro desde a concepção. Para o meio jurídico, é de vital importância que se defina de maneira clara e individual o início da vida humana, para determinar a partir de que momento essa nova vida humana terá personalidade jurídica, passando a receber a devida tutela do Direito. (RUDA, 2010).
O ABORTO COMO QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA
De fato, ainda que o aborto seja uma prática criminalizada na maioria dos países de todo o mundo, existem exceções cuja prática não seria penalizada e sim legal. Apenas 25 países, além da Cisjordânia e Faixa de Gaza, proíbem o aborto em sua totalidade, não dando margem a hipóteses de legalidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, seis de cada 10 gestações não programadas e, 3 em cada 10 gestações em geral, acabam em um aborto induzido. Entretanto, estima-se que 45% dos abortos realizados ao redor do mundo são de forma insegura, dentre eles, 97% ocorrem em países em desenvolvimento, assim como os latino-americanos. Salientando que a cada ano, 4,7 e 13,2% dos óbitos femininos ocorrem por esta causa. Nos países já desenvolvidos, estima-se que 30 a cada 100 mil mulheres morrem em abortos inseguros, o número agrava-se para 220 mortes sobre a população nos subdesenvolvidos.
No brasil, segundo pesquisas de estatísticas divulgadas pelo Ministério da Justiça as delegacias de Polícia Civil registraram 14.719 estupros, em 2004 e 15.268 estupros em 2005. Hoje, funcionam 40 serviços de aborto legal em hospitais públicos, unidades que prestam a mulher um atendimento as vítimas de estupros ou com risco de vida. Por sua vez, há um aumento da prática de abortos clandestinos resultantes em drásticas consequências para o aparelho reprodutor da mulher. O procedimento realizado com péssimas condições de infraestrutura, a falta de tratamento pós-operação resulta em diversos problemas físicos, psicológicos, levando a mulher até mesmo ao suicídio. Os riscos decorrentes da prática de aborto ilegal e/ou clandestinos estão classificados em: hemorragia, infecções, perfuração uterina, danos ao trato genital ou aos órgãos internos, aborto incompleto em que há dificuldade em remover ou expelir os tecidos da gravidez totalmente do útero, entre outros diversos que resultam com o passar dos dias.
O aborto legal ou necessário é considerado como uma atipicidade em relação a prática, para que seja realizado fica dependente do consentimento válido da mulher. Entretanto, ainda que seja permitido, a comunidade médica esquiva-se de realizá-lo sob uma alegação de divergência moral. Além disso, falta estrutura para a prática adequada, e os profissionais da saúde exigem que a mulher tenha autorização judicial para realizar o procedimento. Em meio a tantas dificuldades em realizar o aborto legal, permitindo expressamente pela legislação, muitas mulheres recorrem ao aborto clandestino, resultando na alta mortalidade de mulheres em decorrência de procedimentos realizados com péssimas condições de infraestrutura, como ocorre nas clínicas clandestinas.
De um lado temos o centro da discussão que gira em torno do fato de o aborto clandestino e/ou inseguro, praticado em condições precárias, ser uma das maiores causas de mortalidade materna, do outro, a moralidade que advoga a manutenção de sua proibição fundamentada no princípio da sacralidade da vida, cujo início da existência ocorreria a partir da concepção, sendo assim, quem aborta estaria tirando uma vida. Esta é uma perspectiva imposta a sociedade atual, reflexo da moralidade religiosa, por intermédio de uma legislação que criminaliza o aborto. O costume moral da sociedade há muito tempo recorrente, acaba impedindo a realização segura até mesmo dos tipos legais previsto no código penal brasileiro. As discussões acerca do aborto são constantemente travadas, seja a respeito de sua revogação ou manutenção do Código Penal Brasileiro. Algumas correntes defendem a revogação total dos artigos 124 a 128, pois, entendem que a prática do aborto é uma questão de decisão exclusivamente e própria da mulher gestante, não devendo ser cogitada a ideia de regulamentação legal, devendo o Estado apenas garantir a possibilidade de que todas as mulheres que desejam realizar o aborto, independentemente de qual seja a causa, tenham a oportunidade de realizar o procedimento de forma segura, sem acarretar problemas a sua saúde. Por outro lado, temos a corrente dos defensores do direito à vida, sob a alegação de que esta deverá sempre prevalecer, ainda mais quando se tratar de um ser em formação (GRECO, 2011). Nos dias atuais, a discussão acerca do tema tem sido cada vez mais ampliada, apoiada pelos movimentos feministas, religiosos, operadores do direito, filósofos e pela própria sociedade, todos possuem uma opinião sobre o tema e visam defender sua ideologia.
O direito à vida é o bem jurídico de maior relevância tutelado pela constituição federal. Não teria eficácia alguma garantir a liberdade, a igualdade e o patrimônio das pessoas e não lhes assegurar a vida. É a partir deste princípio que os defensores do direito à vida fundamentam a sua teoria. É necessário que esse direito seja analisado de forma ampla, incluindo o direito de nascer, de permanecer vivo e de defender a própria vida de injusta agressão. Nesse sentido, Genival Veloso França afirma:
O ser humano é detentor de uma dignidade própria porque não se submete a critérios avaliativos desta ou daquela doutrina, senão ao seu próprio valor. Tem ele um patrimônio moral que aponta seu destino e determina sua dignidade. Por isso não necessita cumprir esta ou aquela etapa de sua evolução biológica. É arbitrário e preconceituoso se impor etapas embriológicas para se estabelecer a condição de ser humano. A defesa e a proteção da pessoa humana, na dimensão que se espera dos direitos humanos, exige, no mesmo sentido e nos mesmos valores, o reconhecimento de todos aqueles que se encontram em qualquer estágio de vida, inclusive no estado embrionário. (2015, p. 744)
O constituinte da constituição federal de 1988 não fez distinção entre a vida intrauterina e extrauterina, conforme acontece com a legislação infraconstitucional. A tutela constitucional do direito à vida compreende todas as formas de manifestação da existência humana, desde a fecundação e não faz distinção quanto às etapas embrionárias. Isto posto, percebe-se que o feto possui direitos inerentes a qualquer pessoa, sendo evidente que o aborto é uma prática criminosa, que viola o seu direito, aniquilando a possibilidade de uma vida futura. Além, há inúmeras normas positivadas no direito brasileiro e no ordenamento internacional que discorrem sobre a proteção e preservação do direito à vida. A constituição federal de 1988 em seu artigo 5º, caput, garante a inviolabilidade do direito à vida:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (Constituição Federal – 1988, art. 5º, caput)
O ordenamento jurídico brasileiro objetiva resguardar a vida intrauterina, portanto, a vida humana em formação. Por isso, independe se dessa vida existe personalidade com capacidade de direitos e deveres que depende do nascimento com vida, bastando a simples expectativa de vida para receber a tutela jurídica do Estado. Magalhães Noronha defende que “pouco importa seja o feto uma spes personae; deve ele mesmo assim, ser protegido pela tutela da lei, pois a vida humana, em seu infinito mistério, merece respeito, mesmo quando a ordem jurídica se encontra em presença não apenas de um homem (pessoa), mas de uma spes hominis” (2000, p.55)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa apresentada buscou analisar as diversas correntes doutrinárias acerca do tema, como também, toda a discussão existente sobre o aborto. É evidente que este tópico trata de uma questão de muito interesse da sociedade, desde os primórdios até os dias atuais. Com todo o avanço tecnológico e as mudanças culturais de cada sociedade, novos pensamentos e teorias são abordadas sobre o assunto. O conceito de aborto ainda nos dias atuais não possui uma definição singular e decretada, pois, alguns teóricos defendem que o termo correto seria abortamento, pois, o aborto seria apenas o produto resultante desta prática. Ainda há muito o que se falar sobre a liberdade de escolha da mulher, ora não sendo possível levar em consideração apenas seus desejos, mas também, devemos destacar que a mulher gestante não deve ser vista como um indivíduo singular e sim, um ser humano que está carregando uma outra vida que precisa da garantia de seus direitos básicos e fundamentais para sua sobrevivência.
Este artigo visa apontar que os princípios religiosos não devem determinar a decisão sobre a criminalização ou legalização do aborto, atualmente, o Brasil é um país laico, o que significa que o Estado de direito não possui uma religião definida, a legislação não é regida sobre princípios biológicos. No entanto, ainda que os princípios religiosos sejam afastados, a fim de se cumprir com os direitos de todos, não devemos esquecer do artigo 5º, caput, da constituição federal brasileira de 1988, clausula pétrea que garante o direito a vida para todos e em todas as suas formas. O princípio da dignidade da pessoa humana existe para proteger o ser humano, mantendo e garantindo o viver com dignidade e respeito recíproco em relação aos direitos fundamentais. Ao analisar as correntes existentes acerca do tema, é evidente que ainda há muito o que se falar em relação ao aborto, como por exemplo, determinar de fato e prontidão em qual momento a vida se inicia e, como será feita a tutela da vida intrauterina.
A legislação brasileira vigente, em acordo com a maioria dos Estados de Governo Mundial, visa proteger a vida desde o momento da concepção até após a vida extrauterina. Visando proteger não somente o fruto de determinada gestação, como também, a vida da mulher gestante. Dentre as especificações legislativas sobre o aborto, são previstas as causas de excludentes de ilicitude, que permitem a realização da prática do aborto nos casos definidos pela lei. Não sendo necessário o que se falar em questão de saúde pública, tendo em vista que as mulheres que se encontrarem em tais situações, tem livre acesso para realizar esse procedimento, utilizando o Sistema Único de Saúde.
Conforme evidenciado no decorrer das análises apresentadas por este artigo cientifico, o índice de mortalidade feminina, decorrente da prática de aborto clandestino e/ou ilegal, tem crescido conforme o passar dos anos, mais e mais mulheres, insatisfeitas com a gestação ou não provenientes de condições básicas para criar uma criança, acabam buscando clínicas clandestinas para realizar o procedimento do aborto, na maioria dos casos, esse processo sequer é feito por um profissional da área da saúde. Ademais, conforme os estudos clínicos da Organização Mundial da Saúde, deveras são os efeitos prejudiciais a mulher agente desta prática, quando realizada na forma ilegal, sejam prejuízos físicos e psicológicos. Essa prática realizada de forma clandestina causa prejuízo não só a qualidade de vida da mulher, como também do feto, quando o procedimento é realizado após o período de 22 semanas de gestação.
A criminalização do aborto é regulamentada pelo código penal brasileiro e trata-se de uma questão de saúde pública, comportando exceções de ilicitude. É de extrema importância que os avanços tecnológicos e os novos costumes da sociedade possibilitem melhores orientações às mulheres gestantes, a fim de evitar que as práticas clandestinas continuem causando maiores prejuízos á saúde da mulher e agrave ainda mais o índice de mortalidade feminina em decorrência dessa prática.